21 de maio de 2010

---» Relativamente à integração de Macau enquanto colónia chinesa no ano de 1999, deixando de ser portuguesa, aqui fica um artigo publicado no Jornal de Notícias que fala sobre os problemas entre os Presidentes da República portuguesa e dos das colónias.

" Macau foi imbróglio que deixou sequelas

2009-12-20
JOÃO PAULO MENESES

Território asiático esteve no epicentro de algumas das maiores crises institucionais com que os presidentes da República se confrontaram. Volvidos 10 anos da separação, Macau está demasiado esquecido.
Logo após a Revolução de 1974, foi preciso encontrar uma fórmula constitucional que garantisse estabilidade aos interesses locais. Macau tinha deixado de ser colónia e passou a ser, juridicamente, um território chinês sob administração portuguesa, em estreita relação e, sobretudo, dependência diária da China. Devido à instabilidade política que se vivia então em Portugal, entendeu-se que Macau deveria ficar sob supervisão institucional do presidente da República, e não do Governo, porque a solução daria mais garantias de estabilidade.
Nos primeiros anos pós-Revolução este cenário, ainda que potencialmente confuso, faria algum sentido - pelo menos, teria mais vantagens do que desvantagens. Mas rapidamente passou a ser um anacronismo. Nunca corrigido.
O que sucedeu a partir daí não foi surpresa: os sucessivos governadores de Macau eram nomeados pelo presidente, mas depois tinham de se articular - em termos legislativos e mesmo operacionais - com os governos. Só que, de Ramalho Eanes a Mário Soares, Presidência e Governo dificilmente se entenderam. Mesmo com Sampaio, houve divergências: Rocha Vieira, que Sampaio não quereria ter reconduzido como governador, tinha diversos apoios, não apenas no PSD, mas também no PS.
A convivência entre Belém e São Bento, com Macau no meio, nunca foi boa, mas esse acabou por não ser o principal problema. Problema, isso sim, para os diversos presidentes, que tinham de "governar" Macau a 10 mil quilómetros de distância. Verdade seja dita: nestes anos nunca se pôs a hipótese de retirar à Presidência da República a tutela de Macau. Mas, provavelmente, todos os eleitos teriam agradecido.
Os problemas que sucessivamente foram acontecendo a partir do início da década de 80 do século passado resultaram, sobretudo, da dificuldade (da impossibilidade?) de gerir, à distância, as especificidades locais. E de azar. Muito azar - provavelmente os leitores acharão esta explicação pouco aceitável, mas, a menos que o clima local afecte as mentes e haja uma espécie de esquizofrenia mais ou menos generalizada, não estou a ver outra.
Para não recuar muito mais, veja-se a polémica entre Jorge Sampaio e Rocha Vieira, os dois últimos protagonistas que governaram Macau - polémica bem acesa pelas últimas e recentes declarações do general, visando directamente o então presidente. Quando foi reeleito, Jorge Sampaio não queria reconduzir o general que estava em Macau desde 1991 (e que salvou Mário Soares, após dois fracassos).
Sampaio até já tinha o nome do seu substituto escolhido: o seu assessor e amigo, antigo governante em Macau, Manuel Magalhães e Silva - sócio no escritório de advogados que foi de Sampaio, candidato derrotado às últimas eleições para bastonário da Ordem dos Advogados. Em Belém, muitos dos colaboradores de Sampaio acreditavam que ele seria o novo e último governador, mas, à última da hora, o presidente recuou e reconduziu o general (Sampaio temeu as reacções que se iriam gerar, sobretudo receou a acusação de que estava a escolher um dos seus melhores amigos).
Quando, em meados de 1999, Rocha Vieira transmitiu a Jorge Sampaio que estava a planear promover uma nova fundação para perpetuar a ligação a Macau, pós-transição - e que seria a Fundação Jorge Álvares, criada a 14 de Dezembro de 1999, com um financiamento em parte assegurado por uma dotação de uma instituição pública de Macau, que o governador tutelava e cuja transferência ordenou -, Sampaio não quis acreditar e terá tentado que Rocha Vieira desistisse.
Um dos dossiers mais difíceis da negociação com a China esteve relacionado, aliás, com uma outra fundação, a do Oriente, criada também com verbas de Macau, resultantes da concessão dos casinos. Só que o governador não se deixou dissuadir e, mesmo isolado, avançou com as consequências que se conhecem - em 10 anos, a Fundação não conseguiu entrar em Macau, onde ainda é mal vista, e Rocha Vieira só este ano recebeu um convite para regressar ao território que administrou por quase uma década, com mais elogios do que críticas.
O presidente entrou em ruptura total com o seu governador e só não o demitiu porque faltavam poucos dias. Arrependeu-se de o ter reconduzido, mas era tarde. Quando se encontraram em Macau para as cerimónias de transição, já estavam definitivamente incompatibilizados, ainda que sem que a opinião pública disso se apercebesse. De resto, Rocha Vieira não foi condecorado no dia 19 de Dezembro, mas receberia posteriormente o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique, numa cerimónia triste e envergonhada. Passada a festa, percebeu-se que a 'paz podre' iria durar poucos dias. Logo em meados de Janeiro, é divulgada pulicamente a criação da Fundação e sucedem-se diversas acusações entre o ainda presidente e o ex-governador, naquele que terá sido o momento mais turbulento dos 10 anos de Sampaio em Belém.
Deste caso ficaram sequelas: umas pessoais - a imagem de Rocha Vieira saiu abalada -, outras institucionais - a Fundação Jorge Álvares passou os primeiros anos na 'clandestinidade - e outras (as principais) políticas: Sampaio, zangado com Rocha Vieira, desinteressou-se de Macau e não houve o necessário - pelo menos nos primeiros anos - acompanhamento. Embora seja justo dizer que, concluída a transferência, a competência talvez já não fosse - apenas - de Belém.
De que é que Rocha Vieira se queixa: que não apresentou um relatório da governação porque ninguém [só podia ser Sampaio] lho pediu; que a bandeira, arreada e colocada ao peito no dia 19 de Dezembro de 1999, está em casa do antigo ajudante-de-campo, porque ninguém se interessou em Belém por recebê-la. Visto de outro prisma, Rocha Vieira também pode ser acusado de não ter feito o relatório, como seria a sua obrigação, ou de não ter entregue ao Estado a bandeira, mas, neste capítulo, a primeira linha de acusações pode ser dirigida a Jorge Sampaio - porque não o fez?"

1 comentário:

  1. Olá Joana

    encontrei este meu texto no teu blogue e fiquei muito admirado por o assunto (transição de Macau) interessar a alunos do 12º ano.
    Gostava de te fazer algumas perguntas; podes contactar-me para o endereço putaoyo@hotmail.com? (para esclarecer a tua eventual curiosidade: putaoya é Portugal em mandarim!)

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